domingo, outubro 22, 2006

Parábola da Complexidade

“ A questão da complexidade está na moda, mas no sentido em que vou utilizá-la, ela é antiga. Lichtenberg, que vivia no século XVIII, já a tinha colocado na forma de uma parábola, num texto que o põe em cena como químico sonhando (Lichtenberg era a um só tempo químico, escritor, físico, crítico literário, etc.) . Lichtenberg-químico sonha que um Ser sobrenatural, ao qual ele não dá nome mas que é evidentemente Deus criador, lhe confia uma bola mineral. Pede-lhe para analisá-la e lhe designa um laboratório bem equipado. Lichtenberg pensa que esta é a oportunidade de sua vida: ele vai descobrir um corpo desconhecido, com propriedades surpreendentes. Começa a trabalhar... A bola está com um pouco de poeira e ele a sopra; ela está úmida, ele a enxuga; testa suas propriedades em relação à eletricidade friccionando-a. Nada de particular, não é âmbar. Depois ele a analisa quimicamente e não encontra nada interessante, nada senão compostos conhecidos... Decepção. O Ser sobrenatural reaparece e pergunta: “analisou?”, e Lichtenberg, perplexo, atônito, lhe dá a lista dos constituintes. “Você sabe o que analisou, mortal? Esta bola é o globo terrestre” (é um sonho; devemos imaginar uma terra sem âmago ardente, evidentemente). E o Ser sobrenatural descreve para o químico como, desde as primeiras operações, desde que se “apropriou” da bola soprando-a, enxugando-a com seu lenço, ele suprimiu tudo o que na terra tem de interessante, de singular. Os oceanos foram “soprados”, os Andes são essa poeira que está ainda agarrada em seu lenço, etc... O primeiro gesto de Lichtenberg, que ele acreditava ser neutro, insignificante, que fez sem pensar, e que era realmente o gesto de apropriação, reduziu a terra a um composto mineral qualquer. No final do sonho, Lichtenberg, ainda químico, mas jurando tomar todas as precauções possíveis e imagináveis, pede uma nova chance. O Ser sobrenatural lhe concede a nova chance e lhe diz: “Analise quimicamente o que encontrar nesse saco”. Lichtenberg abre o saco e cai de joelhos para pedir perdão, enquanto químico, por sua arrogância. Dentro do saco há um livro, e ele sabe que poderá analisá-lo sem que, evidentemente, a análise química lhe permita dizer o que quer que seja de interessante.

O sonho de Lichtenberg é a própria parábola da complexidade: a maneira pela qual abordamos aquilo com que lidamos é pertinente relativamente ao problema que nos é colocado por aquilo com que lidamos?” (p.151, 152)

PRIGOGINE, I. & STENGERS, I., 1991.: Quinto dia: Da complexidade (Outras Histórias para a ciência), In: A Nova Aliança. - Brasília: Universidade de Brasília.

Nenhum comentário: