quinta-feira, outubro 19, 2006

"Compreender é compreender as razões e as desrazões do outro. É compreender que o self deception, que é o enganar-se a si próprio, um processo mental bem freqüente, pode levar à cegueira sobre o mal cometido, e à auto-justificação, onde o assassinato do outro é considerado justiça ou represália.

A cegueira pode vir de uma impressão cultural sobre os espíritos. A cegueira pode resultar de uma convicção fanática, política ou religiosa. Quando os homens são possuídos pelas idéias, qual é a sua parte de responsabilidade nisso? Esse trabalho de compreensão tem algo de terrível, pois aquele que compreende se coloca em estado de total dessimetria com o fanático que não compreende nada, e que, evidentemente, não compreende que se o compreenda.

As situações são determinantes: virtualidades odiosas ou criminais podem surgir em circunstâncias de guerra (o que, em menor porte, acontece nas guerras conjugais). Os atos terroristas se devem a grupos que, ilusoriamente, vivem uma ideologia de guerra em tempos de paz. Eles são como alucinados numa redoma. Mas assim que a redoma se rompe, muitos deles voltam a ser pacíficos. Essas pessoas, cegas tanto pelo auto-engano quanto por ilusões políticas, me parecem, ao mesmo tempo irresponsáveis e responsáveis, e não podem isentar-se nem de uma condenação simplista, nem de um perdão ingênuo.

Há uma relação entre compreensão, a não vingança e, no limite, o perdão. Victor Hugo declarou: “Eu tento compreender para perdoar”. É primordial considerar que o perdão é uma aposta ética, uma aposta na regeneração daquele que falha, uma aposta na possibilidade de transformação e de conversão ao bem, daquele que cometeu o mal. O ser humano não é imutável: ele pode evoluir para melhor ou para pior."


Edgar Morin
Excerto do texto: PERDOAR É RESISTIR À CRUELDADE DO MUNDO, publicado no livro: ALMEIDA, M.-C.; KNOBB, M. & ALMEIDA, A. (org.), 2003.: Polifônicas Idéias - POA: Sulina

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